Loved: insights sobre conceitos, fundamentos e case Microsoft Word

Tempo de leitura: 12 minutos

De tanto inspirar (e ser inspirado por) ficção científica, o Vale do Silício tem até trilogia – de Produto. “Loved“, terceira parte dessa trilogia, saiu este ano. Ainda sem tradução no Brasil, o livro é assinado por Martina Lauchengco, uma super generalista de Produto e Marketing. Com grandes passagens por empresas como Microsoft, Lauchengco agora estende seu legado a toda a comunidade de Produto e Marketing com o livro.

Livro esse que veio para somar aos seus antecessores: o obrigatório “Inspired“, de Marty Cagan, e “Empowered“, do mesmo autor, em parceria com Chris Jones. Cagan, aliás, assina o prefácio de Loved (que honra!). O subtítulo de Loved (“como repensar o marketing para produtos digitais”) fala por si. Ou seja, da gestão e liderança em produto (respectivos temas dos livros “1” e “2” da trilogia), passamos ao Marketing de Produto. Como os nomes deixam claro, Product Marketing, de fato, não é gestão de produto – mas uma coisa leva à outra e vice-versa mutadi mutandis

a trilogia de Produto do Vale do Silício com Loved
A trilogia de Produto do Vale do Silício

Por que Loved é uma referência?

Mas como começar em Marketing de Produto? Bem, ler Loved já é um bom começo. E, antes que você entre numa de analysis paralysis, simplesmente comece com um fim em mente – ideia que me lembra de Tudo o que você pensa, pense ao contrário“, de Paul Arden. Um must-read, o livro já era disruptivo em 2006, quando foi lançado (e a palavra “disruptivo” não era conhecida como é hoje). 

Ou seja, cada passo deve ser definido e alinhado com objetivos estratégicos – combinando um grande produto com um grande marketing. Ok, não precisa de uma Martina Lauchengco para saber disso. Parece arroz com feijão, e pode até ser. Só que, no fim das contas, até startups “maduras” deixam de fazer o básico. Nesse sentido, há muito o que aprender com os cases do livro, a começar pela Microsoft.

O case da Microsoft

Conta a autora que, enquanto a concorrência caía num erro comum (focar em features sem, paralelamente, construir uma visão de Marketing de Produto), a Microsoft se adiantava boas casas nesse jogo de xadrez. Se você sequer ouviu falar do WordPerfect e/ou do finado Lotus 1-2-3, é porque eles foram engolidos pela Microsoft, com seus respectivos Word e Excel. Note que são softwares diferentes, para fins diferentes. E é justamente aí que está uma das fortalezas da Microsoft, que acabou se estabelecendo como um padrão esmagador em softwares, que vão de texto a planilhas. 

Consumada no longo prazo, essa façanha não se deve só aos produtos, mas também a um trabalho minucioso de posicionamento. Em termos práticos, o mote do posicionamento passou de “desktop productivity applications” para “integrated Office suites” (algo como “aplicativos de produtividade para computadores” e “suítes integradas do Office” – como sabemos, Office, o nome do pacote da Microsoft, também quer dizer “escritório” em inglês). Esse passo, segundo a autora, foi determinante para que a Microsoft virasse quase um sinônimo de software para trabalhos diversos – posicionamento que, aliás, me lembrou da Apple. Com seu “oniprefixo i” (iPhone, iPad), a Apple é sinônimo de gadgets premium.

Product Marketing como mindset

Pensa que tudo isso que a Microsoft conquistou foi simples? Muito pelo contrário. Não podemos reduzir um processo complexo a um único passo. Assim como não podemos reduzir Product Marketing a um cargo. Para Lauchengco, Product Marketing é um mindset. Algo que foi bem assimilado pelo Pocket, outro case relatado pela autora (por sinal, o Pocket é tão bem pensado que tem call-to-action até na URL de sua homepage getpocket.com). Multipremiado, o app de lembretes tinha nada menos que 20 milhões de usuários quando foi adquirido pelo Mozilla. Por trás do resultado exponencial, havia um grande conjunto de ações:

  • Compartilhar dados e tendências de comportamento do consumidor: isso se refletiu num produto centrado no cliente, no mercado (o discurso é conhecido, mas, na prática, nem sempre fazem assim);
  • Conectar o produto com tendências mais amplas: sabe a onipresente funcionalidade integrada “salvar para mais tarde”? Pois é. Começou com o Pocket;
  • Rebranding: originalmente o produto se chamava Read It Later (leia depois). O nome não combinava mais com o produto, que passou a permitir, por exemplo, que vídeos e imagens fossem salvos;
  • Gratuidade (ao invés da antiga taxa de US$ 4): além de ser difícil cobrar antes que as pessoas possam usufruir do valor de um produto, a mudança no modelo de negócio teve timing perfeito. O Pocket passava por outras grandes mudanças, o que podia gerar desconfiança entre usuários, fossem eles recorrentes ou potenciais. Por isso, a fonte de receita migrou de assinaturas para investimento de risco. (Impossível falar de gratuidade sem mencionar “Grátis“, outro must-read);
  • Compartilhar o “porquê” com influenciadores: parte do trabalho de Product Marketing é descobrir quem precisa dizer o quê para dar credibilidade ao produto. Nada como trazer essas pessoas para perto do processo, gerando melhor entendimento (e, na minha visão, até sentimento de pertencimento).

Conceitos e fundamentos discutidos em Loved

Lauchengco deixou sua marca na Microsoft, mas tem seu lado Apple, a coisa do “think different (pense diferente). A autora subverte a narrativa, passando ao conceito e aos fundamentos do Product Marketing somente depois de se aprofundar em bons exemplos e insights (como os que vimos). 

Na visão da autora, o propósito do Product Marketing é direcionar a adoção do produto, construindo sua percepção no mercado, com estratégias de marketing aliadas a objetivos de negócio. E isso deve ser feito atendendo aos fundamentos seguintes. 

  1. Ser embaixador: conectar insights de usuários e mercado;
  2. Ser estrategista: direcionar o go-to-market;
  3. Contar histórias: moldar a forma na qual o produto vai ser visto;
  4. Evangelizar: permitir que a história seja contada por outras pessoas.

Fundamentos à parte, ainda é comum confundir o papel do Marketing de Produto com o de Marketing como um todo. Mas a autora faz a diferenciação de forma objetiva: especialistas de Marketing contam com o Marketing de Produto para que possam fazer seu trabalho. É o marketing de produto que define aspectos do produto a serem promovidos, quem impactar e por que impactar e até os canais mais importantes (convém reforçar que a visão é da autora, até porque em muitos casos é o “outro” marketing, mais especificamente o Analista de Performance, que define os canais, por exemplo). 

Para melhor entendimento, nada como passar à prática. Hora do storytelling, com bastidores de um release do Word. 

Case do Word: o que mais importa, da forma que a maioria usa


Quem é minimamente iniciado em Product Discovery conhece um dos riscos a mitigar: usabilidade. Se você, ao usar uma determinada feature pela primeira vez, teve aquela sensação de “meu-deus-como-não-descobri-isso-antes”, sua pergunta tem tudo pra virar User Story. E aí é o pessoal de produto que vai se perguntar “meu-deus-por-que-não-destacamos-essa-feature-antes”.

análise da Microsoft
Nada de PPT. O time da Microsoft foi direto ao ponto em um quadro branco.

Como Lauchengco atesta, features podem ter muito valor e, ainda assim, não serem facilmente descobertas – caso do Word. Depois de analisar o comportamento de centenas de usuários, o time de produto chegou a dois direcionamentos para aplicar nas melhorias da versão 7.0:

  1. Funções que a grande maioria das pessoas usa a maior parte do tempo (como formatação de texto);
  2. Recursos usados por menos pessoas. Mas que, por outro lado, eram muito usados por essas pessoas (como as bulleted lists).

E aí já foi meio caminho andado para outro mote de posicionamento: focar no que mais importa, da forma como a maioria das pessoas usa. O posicionamento foi decisivo para cair nas graças da crítica especializada (algo ainda mais estratégico naquele longínquo 1995, quando a palavra “influencer” sequer existia feito hoje). 

É verdade que, à época, a caixinha de ferramentas do Marketing de Produto não era vasta como hoje. Mas uma coisa não mudou: como Lauchengco bem lembra, ferramentas são só ferramentas por si – não são o trabalho. E o trabalho, como vimos, é direcionar a adoção do produto, construindo sua percepção no mercado, com estratégias de marketing aliadas a objetivos de negócio.

Trabalho que o time da Microsoft fez e ainda hoje marca a diferença entre go-to-market (que já tem seus desafios) e estabelecer padrões (que é fazer história no mercado).

Fundamentos ≠ arroz com feijão

Não confunda fundamentos e arroz com feijão: o padrão que o Marketing de Produto da Microsoft estabeleceu foi altíssimo. Tanto que até seus fundamentos carregam grandes visões (cuidado com o viés simplista!). Nenhum dos quatro fundamentos é tão simples quanto pode parecer. 

Pra começo de conversa, ser embaixador (primeiro fundamento) vai muito além de saber quais problemas o produto resolve e quem é o target. É identificar e/ou criar oportunidades em cada brecha, com um entendimento profundo do que é (e como é) mais valoroso para os usuários, mapeando cada passo da jornada. Esse trabalho qualitativo e quantitativo pode mobilizar times inteiros de pesquisa e insights até chegar numa visão de como os usuários pensam e agem. Visão essa que deve ser aplicada diretamente ao go-to-market.

Passando ao segundo fundamento (ser estrategista), a estratégia guia a tática que vai levar você de A para B. Para isso, é preciso que fique claro o porquê e o quando das ações de go-to-market, orquestradas em harmonia com o quê e o como. Uma verdade inconveniente sobre go-to-market é que, nesse processo, não há Discovery como há em Product Management. Por isso, num GTM que se preze há mais espaço para testar e errar (ufa!). O mindset envolve tanto estratégia quanto aprendizado

Quanto ao terceiro fundamento (contar histórias), convém reforçar que empresa alguma pode controlar tudo o que é dito sobre o produto. Por outro lado, deixar claro o valor do produto, dentro de um determinado contexto, é fundamental para construir a visão que as pessoas vão ter do produto. 

Posicionamento é um jogo de longo prazo (haja stakeholder management!). Ao contrário da mensagem, que, por sua vez, deve ser iterativa, fortalecendo a conexão com o público, nutrido de informações para melhores decisões. Para Lauchengco, isso quer dizer “ajudar genuinamente, sem ser promocional nem autoritário demais”. O que requer um certo comedimento para descobrir o que faz sentido para o usuário, ao invés de “tentar falar tudo o tempo todo”, nas palavras da autora. 

Se, a essa altura, a respectiva importância do posicionamento e da mensagem não tiver ficado clara para você, a ciência explica de vez. O cérebro processa histórias e fatos objetivos de formas diferentes. Não basta embrulhar tudo isso (posicionamento e mensagem) para presente, é preciso distribuir os pacotes estrategicamente (palavras minhas, adequadas ao raciocínio do livro).

Por último, o quarto fundamento: evangelizar, que só dá certo quando feito de forma autêntica (senão, vira piada do Marketoonist). O time de Vendas não pode soar como pessoas que só querem, digamos, “vender por vender”, mas sim como genuínos advogados do produto. Evangelizar também quer dizer descobrir e acionar os influenciadores e as comunidades que mais fizerem sentido para o negócio. 

Reflexões finais

Nota deste autor: mencionar “comunidades” e não só influenciadores, foi de abrir o olho para mim. Em meus bons anos de Marketing e Tecnologia, sempre vi incontáveis ações com influenciadores. Alguns deles, aliás, trabalham para tantas marcas ao mesmo tempo que dá até uma “fadiga de influencer”. Mais recentemente, tenho visto, por outro lado, esse ativo poderosíssimo que são as comunidades – e como o mercado ainda as subestima (alerta de oportunidade)! 

Se Product Marketing é identificar e/ou criar oportunidades em cada brecha (y otras cositas más, claro), nada como um alerta de oportunidade para encerrar este artigo. Artigo que comecei contando que o Vale do Silício tem até trilogia, da qual Loved é o grand finale. Como tudo se transforma, agora Loved vai ter, por assim dizer, sua própria saga. Ou melhor, uma saga de artigos escritos por mim, trazendo mais insights sobre o livro. Em breve aqui no portal!

Escrito por Thiago Pereira

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