Produtos vs Serviços. O que um PMM tem a ver com isso?

Tempo de leitura: 8 minutos

Tim Cook anunciando o Apple Card em Cupertino, Califórina. Foto: David Paul Morris/Bloomberg

No último dia 25 de Março a Apple fez seu tradicional evento para apresentar os lançamentos de 2019 (esses anúncios sempre ocorrem duas vezes ao ano, o próximo será em Setembro com as novidades para o natal).

O show que a Apple organiza para mostrar essas novidades com transmissão ao vivo merece um post a parte. Essa aura rockstar com uma legião de fãs é impressionante. E a empresa sabe  disso e reforça essa imagem a cada ano. São milhares de sites especializados em tecnologia, blogs, canais no youtube de especialistas ou meros mortais como eu e você especulando quais serão os lançamentos (e horas depois do evento, as mesmas milhares de páginas dissecando cada palavra dita pelo CEO Tim Cook). Não conheço outro evento de uma empresa que gere tanta mídia espontânea quanto esse.

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Rene Ritchie, editor chefe do iMore

No começo da apresentação, Tim Cook anunciou que não seriam apresentados novos produtos, mas sim serviços: o Apple Card, um cartão de crédito; o Apple News+, um novo serviço de assinaturas de jornais e revistas; o Apple Arcade, uma plataforma de jogos mobile e enfim o Apple TV+ um serviço de streaming que já vem cheio de produções originais.

Se quiser saber mais sobre cada lançamento, recomendo essa leitura rápida e que resume bem cada um.

Entre as produções originais da Apple TV+ estão: uma série de Steven Spielberg, um sitcom protagonizado por Jennifer Aniston (Friends) e novas temporadas de Vila Sésamo. Imagem: Techcrunch

Resenhas e opiniões a parte, o fato é que a Apple fincou o pé nos streamings. Há tempos tenta emplacar seu serviço de música, o Apple Play (fazendo frente ao Spotify), e agora entra com tudo nesse novo mundo. Se antes seus concorrentes eram prioritariamente empresas de tecnologia, agora ela entrou para brigar com grandes bancos, com a Xbox (mesmo sendo da Microsoft, era um braço que a Apple não combatia diretamente) e com a gigante Netflix (sem contar toda a indústria do cinema e audiovisual em geral).

Poderíamos fazer extensas análises sobre cada uma dessas plataformas e o quanto a Apple traz diferenciais para cada uma delas, mas o ponto aqui é pensar o quanto uma empresa essencialmente de Produto (sim, mesmo com a legião de fãs de iPhones e iCoisas em geral, são “apenas” produtos) tem percebido a necessidade de incluir Serviços em seu portfólio.

A questão deixa de ser as vantagens funcionais do produto (ou até mesmo os vínculos emocionais com a marca) e passa a ser o conteúdo que você consome com o produto.

Um ponto importante: a Apple não comprou participação em outras empresas ou fundou novas marcas para entrar em novos mercados (como era a Pixar), prática bastante comum em grades grupos. Ela esticou seu campo de atuação. Todos esses novos serviços carregam a marca Apple (e com isso, todos os valores que esperamos da Maçã). É uma mudança de mindset com uma complexidade operacional enorme. Se antes a empresa administrava seus fornecedores de gadgets na China, agora passa a incorporar estúdios, atores, produtoras, roteiristas, sem contar a frente bancária e todas suas complexidades, na folha de pagamento. Se vai valer a pena, teremos que esperar o tempo nos contar.

A reflexão que tiro disso é: nós PMs e PMMs pensamos nossos produtos até que ponto?

Quando falamos de experiência do consumidor, estamos refletindo sobre a ergonomia do objeto, sobre o vínculo emocional com a marca  ou por fim a relevância do produto no cotidiano do consumidor? Nosso produto é realmente relevante? E estamos pensando na pessoa que vai usar esse produto? Ou só estamos pensando numa resposta rápida para o desejo de um target (ou seja, um grupo de pessoas sem nome, sem individualidades)?

Estamos conseguindo enxergar a pessoa que existe atrás da “entidade” consumidor?

Não acho que a Apple desenvolva projetos pensando na individualidade de cada consumidor. Mas o salto que deu agora lançando tantos serviços nos mostra que a empresa exercita muito a relação que seu cliente tem com a marca mas também enxerga o que a pessoa está fazendo além dos momentos em que está usando seu iPhone, seu iPad ou seu Mac, ou como está usando.

Fazendo um paralelo com minha experiência com cosméticos, por exemplo, o que a pessoa que usa meu batom faz nas outras 23h58 minutos que não está passando meu batom? Em que momentos do dia dela eu posso me fazer relevante? E como?

Já vivi momentos em que gestores encorajavam e até esperavam estes pensamentos além do produto (quais serviços nossa marca pode oferecer? Quais serviços podem ser atrelados ao produto?) e também já vivi fases mais pé no chão focadas no resultado de um projeto a curto prazo e respostas comerciais rápidas. A possibilidade de encarar uma nova frente de serviços depende muito do momento que está a empresa, mas não impede de fazermos esse exercício sempre, independente do cenário.

Épocas de Planejamento são mais propícias para isso. Normalmente nos afastamos um pouco dos incêndios do dia a dia para tentarmos enxergar nossa marca um pouco mais de longe. Nesse momento pensar em serviços é uma ótima forma de sair da zona de conforto. Mesmo que a empresa em que trabalhamos não tenha a possibilidade de montar um banco, um estúdio de produção cinematográfica, um estúdio de games e uma editora ao mesmo tempo como no caso da Apple, conseguiremos ver até onde nossa marca pode expandir seja para novos negócios, parcerias ou até mesmo pequenas ações de comunicação e fidelização do cliente.

Um exemplo de marca de produto pensando serviço são os SPAs da Loccitane. Uma marca de cosmético que consegue entregar a experiência completa através de um serviço diretamente ligado ao seu conceito.

Outro exemplo é o Santander Work/Café. São agências do banco no formato de Coworking. Conheci esse modelo no Chile, várias agências são assim (mais de 20 só em Santiago). No Brasil por enquanto tem duas, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro. Foi uma forma que o Santander encontrou de se manter relevante para seus clientes e com certeza os fidelizando (os benefícios para correntistas vão desde descontos na cafeteria até reservas gratuitas de espaços para reuniões, salas de conferência e até pequenos auditórios).

Santander WorkCafé em Santiago

Esse exercício pode ir além: quais outras marcas conversam com nossos produtos? Além de possíveis parcerias, essa reflexão pode nos fazer sair daquela pesquisa padrão de concorrentes e encontrar inspiração para novos lançamentos em movimentos completamente fora do nosso mercado. Será que uma empresa de pneu não tem nada a aprender com a dinâmica do mundo da moda? Ou uma gigante alimentícia não pode se inspirar em alguma boa prática de um banco?

É super clichê dizer que a Apple nos ensina muitas coisas com seus movimentos, mas não é clichê por acaso. Um salto como esse que envolve tantos bilhões de dólares não foi à toa e podemos aprender mesmo num mercado que não tenha relação com o nosso.

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